segunda-feira, julho 24, 2017

o q é o brasil?


“Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.”
O Leopardo - Tomasi di Lampedusa


1. há um “recalcado” naquilo q gerou e gera mantendo o isso “brasil”. um vivido não enfrentado, um “antes” (ou um antes q se tornou pra-frente, além demais dos olhos, depois da curvatura, imerso num aqui essencial, múltiplo e contraditório, mas fantasmático), um escondido, um esquecido, um dito incompleto, um discurso imperfeito, uma multidão infinita de discursos, de campos de vivência, um imenso e monstruoso vazio, um esquecimento obsceno tanto do “mundo da escravidão” (seus planos, seus sonhos, suas propostas, suas ambições: “modo de produção escravista”) quanto do “mundo republicano” (com suas reproduções do mesmo e fortalecimento da louca obscenidade da escravidão, da “colônia” (todos as personas do capital): seus desejos travestidos de coisas novas), tanto do “povo brasileiro” quanto da “história do brasil”: esse vazio, esse eixo, eu chamo de martitica (oceano de merda: o q produz e mantém “brasil”, isso q todos vivem, acreditam e não conseguem dizer completamente ou até mesmo viver ou viver completamente: não conseguem desvendar seus “enigmas”, suas “verdades”, seus “sentidos”, sua “razão”, sua monstruosa passividade: a impotência, o porq da suprema “impotência brasil”: enquanto martitica existiu durante séculos, ativa, seu produto, seu chorume, “brasil”, existe a penas teatralmente), como se vivessem num país com uma história, num estado, numa sociedade, com uma “cultura e diversidade”, um povo, povos, raças, leis, geografia, língua). esse círculo, esse oco, esse vácuo, esse minúsculo e monstruoso esquecimento, esse reprimido por “todas as gentes”, isso q se esconde como um crime não sabido (sempre sabido demais), é o q pretendo tocar aqui com a ponta do dedo até o ombro e além.

2. não existe nem jamais existiu “brasil”, país, povo, leis, sociedade, história, cultura, civilização, isso “brasil”: essa generalidade, esse global, esse universo “brasil” (já inexistente por sua universalidade de existência querendo abarcar numa unidade e identidade as inumeráveis formas do mesmo: o cada-um fazendo o torno “brasil” girar e funcionar) sempre foi feito pela “servidão voluntária” do imenso cardume, lixeiro, chorume – agregados, funcionários, empregados, servos, trabalhadores – uma coisa média, uma alma pequena, uma coisa servil (“alma brasil”): “brasil” é a fantasmagoria pesadelo “inicial” do capital mercantil, não dum grupo, uma casta, uma rede financeira-industrial, dum povo: específica junção/articulação entre servidão-voluntária-classes-dominantes é apenas parte do visível, do permitido, do quase sabido: a coisa, o isso, é mais simples e por isso mesmo se escondeu normalmente, naturalmente, socialmente: só há servidão voluntária e seus fantasmas (sua rede de crenças, uma normose) se entendermos esse voluntário enquanto um não sabido involuntário, um consciente sabichão, agregado com subclasses mamando o produzido por essa servidão voluntária), “inconsciente”, um não dito porq não plenamente sabido, aproveitado, feito segundo a segundo em práticas, crenças, desejos, saberes, experiências e sonhos, mas não sabido – servido sabido aos “senhores”: o espectro projeto martitica (“brasil”), o quase reprimido porq não se viveu, é vivência construída dia a dia pela servidão voluntária: “brasil” é o aparecer crente, o construído, a visibilidade de martitica, a polpa q se apalpa sem ser e não se apalpa quase sendo, esse nada, o permitido, o aceito, a ponta, a pele do espectro mantido, reproduzido e guardado pela servidão voluntária como se fosse.

3. se há o “brasil” há o “povo brasileiro” – mas não há “povo” algum porq um “povo” se faz com uma ou várias revoluções onde uma massa, uma “plebe” indigesta e cordeira, “passa a se reconhecer e lutar em comum”: no “brasil” (matrix de martitica, fantasmagoria monstruosa, carnaval onde a “plebe” imita os senhores, os sonhos e desejos dos senhores) jamais houve revolução nem pode haver enquanto houver o “brasil” enquanto pele dobrada de martitica, a pele, a polpa do nada, o projeto dos senhores tornado quase realidade, quase vivido, quase gente, transe entre fantasmagoria e existência – uma forma de existência como a dos centauros, de gregor sansa ou k.): apenas depois de revoltas, resistências, revoluções uma massa bruta, cordeira, se torna “povo” e pode e tem o poder de fazer suas leis, ele mesmo, sua constituição, feita por ele, por sua coragem depois de muito sangue onde foi visto q “agora e daqui pra diante podemos”, logo, o “povo” se torna “cidadão”, nasce a coragem e a confiança em sua força e poder, q se tona ponto de partida dum “viver social”: no “brasil”, matrix de martitica, jamais houve um “cidadão”, jamais houve leis, jamais uma constituição, jamais um país, jamais liberdade alguma, sociedade, cultura: as identidades (“brasil”, brasileiro, território nacional, literatura, arte, costumes, branco, negro, macho, senhora, etc.) são apenas biombos construídos pelas servidões voluntárias (imitações das “metrópoles”) e seus instrumentos ou dispositivos como a educação, por exemplo (essa coisa sempre falsa, sempre farsa, sempre útil ao “projeto martitica”, sempre “cúmplice”), pelas mídias, pelas crenças, pelos discursos, pelas práticas mantenedoras, pela literatura (letra falsa, oligarquia das letras, realismo de botequim, crônicas, memorialismos, sociologismos: escritura falsa): “aceitamos e obedecemos”: “mantemos os sonhos dos senhores”: “agiremos como se fosse e terminará sendo”: “mentiremos tanto q se tornará verdade: brasil”: mas não se sabe disso: o “brasil” como cenário perverso, nazista, campo de extermínio, onde os “primeiros senhores” deixaram de atuar e entregaram a outros senhores e outros senhores e mesmos senhores uma matrix, um cenário, atores, palhaços, cretinos, trabalhadores e defensores dessa péssima opera bufa “brasil” q criou seus próprios senhores e cuidam deles com deleite cordeiro: esse cuidado dos cordeiros com seus lobos, q são cordeiros com postura de lobo, é uma das forças bufas da fantasmagoria “brasil”: parece política e não passa de teatro de quintal.

4. “brasileiro” é o trabalhador do pau brasil. “brasil” é uma produção colonial, um imaginário colonial, um lugar do capital latifundiário-industrial-financeiro (grande e imenso projeto monstruoso de exploração) onde é preciso, pelo menos o século xix e xx, uma massa indistinta delirando q é “povo”, q é “cidadão”, q tá num “país”, q tem “constituição”, etc., pra continuar a fazer se mover o “projeto brasil” e sua loucura nazista constitutiva (nazismo/fascismo não é só um "momento histórico", mas o eixo da máquina tribal ocidente: o nazismo 1933/1945 foi quando esse eixo se tornou absolutamente visível por um esgarçamento inesperado da tribo): isso é parte do espectro visível de martitica: todo saber sobre “brasil” é apenas parte desse espectro, o permitido do não permitido, o visto do não-visto, o resto e não a coisa, e a não-coisa, reforço, continuidade do mesmo.

5. não é q raptaram a “história” ou a “história do brasil”: a questão é q no lugar de martitica dizem “brasil”, em vez de saberem martitica, a “matriz”, so querem saber e só podem saber “brasil”, a matrix: e pra isso “toda a história” se curva, se dobra, se invagina, se limita e o “campo de saber da história” é destroçado em nome da “história”, aquela-q-aconteceu, aquela-q-se-tornou-acontecida, aquela-q-não-é-história porq já-aconteceu, é imóvel, é arquitetura pra esconder martitica (martitica é deixada lá, como uma “coisa passada”), sendo constantemente construída e reconstruída enquanto um esconder martitica e um reforçar “brasil” – martitica já está longe demais enquanto “brasil” ta perto demais: o q é dito é o possível de martitica, no passado, o “brasil”, no presente. esse é sabido, mas queremos o escondido q gera esse sabido, martitica. como dizer nesse dizer infinito e tão cheio de perspectivas e opiniões e pesquisas e ciências e etnologias, algaravias, esse tanto falar, esse ruído, essa balbúrdia, q ensurdecedoramente esconde martitica e não deixa de dizer o “brasil”: o “brasil” é esse ruído, esse ensurdecedor, esse carnaval de saberes e experiências voltados exclusivamente pra esconder martitica e buscar e construir e expor o “brasil”, q não passa de teatro da crueldade, fantasmagoria do horror q impossibilita “explicações racionais” porq não passa de uma construção fantasmática da servidão voluntária.

6. todo o “orgulho em ser brasileiro”, toda comemoração a pátria, todo “hino nacional” tocado e ouvido com respeito religioso, todas as subidas de bandeira e os gestos q exigem essa ereção mole, todos os feriados nacionais, todas as festas da “cultura popular brasileira” (papagaiadas das “vidas e culturas dos senhores”, pastiches), toda escrita sobre o “brasil”, toda a “literatura brasileira” (claro instrumento cúmplice da língua do senhor, do sonho, das perspectivas, dos planos do senhor: uma literatura brasileira é uma contradição patética e pateta), todo ensino e estudo sobre o “brasil” não fazem outra coisa q exercerem violenta e profundamente a busca pelo “reconhecimento do senhor”, dos desejos dos senhores – por isso trabalham, por isso se reproduzem, por isso morrem e matam: o “brasil” é uma reificação ridícula curvada diante de um senhor q não existe mais. o “brasil” é o traço reificado dessa curvatura, dessa servidão voluntária monstruosa, onde a normose é mais normal q a normalidade. uma servidão voluntária q não pode se reconhecer como produtora, protetora e reprodutora do seu produto – “brasil” (a não ser no “o brasil é feito por nós”), como se esse produto fosse feito num processo, numa historicidade, numa formação cultural q só faz criar palavras q encobrem esse horror; o “brasil” enquanto matrix da servidão voluntária é um clone imóvel, monstruosamente fincado na sua produção reprodução, no seu círculo vicioso q esgota qualquer criação real, qualquer explicação filosófico-científica (começam logo do “brasil” como algo já dado, uma existência, um processo, uma sociedade, uma história, uma cultura), qualquer revolução real, qualquer sequência de palavras q não tenha como missão esconder sua produção “brasil”, sem saber. por isso tudo q começa com “brasil” retorna, se curva, não cria, não explica, não sai, só encontra, só reproduz, só pode dizer – “brasil”.

7. o “brasileiro” não é “negro”, “branco”, “índio” ou qualquer outra “raça” porq, simplesmente, não existem raças: as “raças” são construções religiosas, sociais, econômicas, coloniais, imperialistas, eugenistas, nazistas, não alguma “realidade natural” (uma doença simbólica, sígnica, cínica, mortal, monstruosa), mas construção política, econômica, imaginária, dolorosa e perversa (no “brasil” toda “cultura racial” não passa de um duplo monstruoso do circulo de senhores criados pelos servos): maneiras de justificar, punir, fazer trabalhar, adoecer, morrer, ser morto, se reproduzir, jamais uma “identidade” (o horror reside precisamente na identidade, nos mesmos q se reproduzem, se replicam, se sustentam: os negros permanecem negros, as bichas permanecem bichas, os pobres permanecem pobres, os trabalhadores permanecem trabalhadores, as mulheres permanecem mulheres – todos apanhando, todos sendo torturados e mortos como gado, como nem o gado deveria morrer), jamais “povo brasileiro”, q é construção q faz parte do “campo de extermínio”, da “fábrica”, do “hospital”, dos “asilos de loucos, pobres e leprosos”, dos “campos de trabalho” q pensa estar e ser “brasil”, numa “normalidade” histórica, social, jurídica, estatal, cultural: uma réplica de outros lugares, uma colcha de retalhos, clone de clones, estranho frankenstein q fizeram ser, viver, numa dobra onde são o q fazem, mas não são o q fizeram nem são, mas assim mesmo são e persistem nesse não-ser q se mantém apenas escondendo sem saber uma vergonha inadmissível de servidão voluntária (o “brasil” de martitica).

8. jamais houve “golpe” algum, “ditadura” alguma, “império” algum, “colônia” alguma, “democracia” alguma: o q foi raptado foi precisamente “os passados” (destroçado qualquer “futuro”) e em seu lugar construído uma-história, q não é a do “vencedor” nem poderá ser substituída pela “história dos vencidos” (o nódulo fantasmático impossibilita estudar isso “brasil”): há sempre uma mesma massa cúmplice, na grande vertente, no grande vertedouro, no grande abatedouro, na grande maternidade, na grande obra infinita de produzir nada, apenas dor, cansaço, morte e mercadorias: esse resto perturba quem tenta pensar porq ele não se entrega, ou se entrega apenas com os materiais conhecidos, com os saberes sabidos: escapa aos olhos como se fosse os olhos q não podem se ver nem num espelho porq não se vê o “vendo”: a “história política do brasil” esconde precisamente q só há o “brasil”, variações fantasmáticas de ditaduras conforme as “necessidades dos mercados”: não há política porq não há povo, não cidadão, não há língua, não há corpo, não há constituição e leis, mas pastiches teatrais do q seria tudo isso.

9. nesse sentido martitica é e sempre foi uma “ditadura” até pros meganhas q dizem reger o campo de concentração: ou uma fantasmagoria nazista da servidão voluntária. martitica é imenso buraco no centro dum corpo morto, ou uma doença, um câncer, um tumor, uma lepra, uma ferida, um trauma, um espectro, um “afeto inconsciente” – gerando um zoológico, um matadouro, uma prisão, um asilo de covardes – “brasil” – nada mais, nada menos: o resto é conversa q se afasta disso e quer diferente, quer não ver os muros, os guardas, a ração, os toques de recolher, as palavras de ordem, a grande ilusão produzida pra escravos por servos em sua moenda sem fim – martitica – moinho em torno duma pedra q não se gasta nunca. apenas e nada mais q martitica: qualquer questão sobre "brasil" q não partir de martitica (o real, o grande outro, o concreto, o dia-a-dia, o zoo, o escondido, a servidão voluntária e seu “projeto inconsciente”, o nada q aparece como “brasil”) fica preso dentro do campo de força, de concentração de martitica e sua construção, manutenção e segurança: falar, pensar, ensinar “brasil” é fazer martitica, esse nada, esse circulo vago e entupido, esse escondido, esse buraquinho – gozar.

10. é preciso enfrentar martitica (esse passado escondido, esse não-vivido, esse não-passado q permanece enquanto “brasil”, cena teatral de campo de extermínio) afastando minuciosamente todo o aparato erudito, historiográfico, sociológico, antropológico (cultural, literário, linguístico, científico) q foi montado não apenas pra encobrir martitica, mas pra tornar real, normal “brasil”, cheio de deuses, santos, padres, sacerdotes, políticos, “língua portuguesa”, “portugal”, “europa/estados unidos”. sem enfrentar martitica não se poderá compreender e dissolver “brasil” (e, necessariamente não será pra chegar ao Brasil: se chegar ao Brasil há uma derrota desde o começo, um engano, a entrada num labirinto de martitica). se a meta é política, a ação, agora, é filosófica. não pode ser feita pela tríade historia/sociologia/antropologia por elas estarem envolvidas diretamente, com todo o coração, no ocultamento/criação/manutenção da monstruosa servidão voluntária na sua realização, proteção e reprodução do “sonho do senhor”, “brasil”. nem martitica nem “brasil” devem ser aceitos, compreendidos, explicados num sentido comum, mas deslocados, esfacelados, enfrentados como fatias do horror congeladas e em função. não é uma “aceitação do passado”, mas uma destruição desse nódulo imaginário q obriga ao funcionamento monstruoso de uma rede de trabalhos sem fim. se se compreenderá q martitica não está num “determinado ponto do passado”, mas sempre aqui, sempre agora, sempre se reproduzindo como um parasita descomunal e invisível: por isso a meta é política: é uma espécie de “enfrentamento do presente”, uma aceitação do campo de extermínio mas, antes de tudo o reconhecimento da servidão voluntária q a tudo isso criou, manteve e reproduz: se agora é questão filosófica pra compreender o nódulo monstruoso, se não passar pra uma fase política radical, jamais se poderá sair de martitica e do seu delírio de servos – “brasil”.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

HISTÓRIA E LITERATURA: IMPASSE BRASILEIRO

“A reverência diante da autoridade é inata em vocês, continuará a ser incutida durante a vida toda das formas mais variadas e por todos os lados; até vocês ajudam nisso como podem. (...) é um respeito que vai pela via torta (...) Respeito no lugar errado, que rebaixa seu objeto.”
O Castelo
Franz Kafka
 
História

        A História é um discurso religioso por excelência, básico discurso do capital em seu formato capitalista, disciplinamento das atividades e relações apresentadas enquanto ritmo, tempo, ex-pressão viva do disciplinamento ritualizado das produções. Sendo assim a História é resultante e produtora dos poderes hierárquicos, funcionalizadores dos ritmos corporais: um tipo de corpo cria a História (o corpo-servo-das-cortes, o corpo-servo-dos-mercadores, o corpo-servo-dos-letrados, o corpo-servo-dos-funcionários-do-estado) e a História cria um tipo de corpo (o corpo-cidadão, o corpo-trabalhador, o corpo-dócil, o corpo-consumista, o corpo-despolitizado).

        A função básica da História é produzir cortinas de fumaça, ofuscamentos, sobre a máquina tribal (isso que chamamos “ocidentalidade”, “cristandade”, os “rebanhos do senhor”, enfim, a “nossa tribo” que a tudo incorporou chamando de seu), escondendo que aquilo que seria tempo não é uma “dimensão do passado”, que nada “está” no passado, nada “aconteceu”, que as explorações, que o horror, não está no passado, essa ficção despolitizada, essa zona morta de todas as metafísicas, mas que o horror está, sempre, no imediato: que toda politicidade é dimensão imediata de atividades, não rememorar reacionário, reativo, passivo: nada mais doente, adoecedor, ressentido que a memória. E ressentido precisamente porque somos nós, os historiadores, os professores de história, que produzimos “passados” e “memórias” enquanto “coisas”, enquanto “acontecimentos”, “existências”, “materialidades”, todos nós inocentemente esquecidos dos nossos papéis de manufatureiros dos ocultamentos das politicidades. Nós e todos as formas de sacerdotes, como os marxistas, os anarquistas, os cristãos, os políticos, os nazistas em geral. Todos trabalhando para um “Estado”, um “estado de coisas”, como se nossa função fosse “dizer a verdade”, “expor o que realmente aconteceu” e não esconder de nós mesmos e de todos - os sentidos das nossas operações de ofuscamento.

        A função-missão da História é despolitizar o imediato (único lócus da politicidade), esvaziá-lo de intensidades, de potência, de forças, de relações perigosas, tornando ele apenas o lugar dos fluxos fixos de informação, o lugar das mídias, das atividades pedagógicas do que aconteceu e jamais acontecerá novamente (então para que?), a resultante esvaziada dum longo chegar que não chega, campos mornos de trabalho, entorpecimento dos dias.

        As pretensas imensas e extensas redes temporais que seriam o passado, estendidas todas antes do imediato, se abrem cada vez mais e mais “longe”, cada vez mais apenas “interpretações de um modelo ideal”, existente apenas no céu dos historiadores e na imobilidade anestesiada das mandas integradas e mansas, afastando a politicidade das suas ações, o corpo das suas atividades, das suas possibilidades de consciência e tomada das suas melhores forças: a História é essa estratégia de nunca chegar ao agora. No agora, ela gagueja, titubeia, balbucia, se remete à mídia, a opinião, ao senso comum, ao conhecimento dito científico, e morre antes de chegar ao agora e jamais consegue ligação alguma entre o “antes” imaginário, construído inteiramente por nós, com o imediato vivo que exige ação e é ação, atividades que criam e reproduzem o existente a cada segundo: precisamos dar conta dos ritmos desses imediatos produzidos por nós, isso a história não pode fazer.

        Para a História a única realidade são as cinzas e os historiadores, e todos os produtores e reprodutores das funções estatais do conhecimento, do saber, da beleza, não passam de cães de guarda da máquina tribal, ou do Estado, das igrejas, das pedagogias ortopédicas e das propriedades. Fora desse protecionismo, nem a História nem nenhuma Ciência, consegue justificar sua existência, ideologia das produções, das despolitizações, dos disciplinamentos. Há muito tempo não conseguimos viver fora disso que chamam História: já somos obedientes demais para ousar viver fora do tempo, viver contra o tempo, nos contrapelos da ação dos imediatos como se o tempo existisse fora das nossas mais vivas e cruas atividades, relações, triangulações.

História do Brasil

        De pelo menos Von Martius e Francisco Adolfo de Varnhagen (o visconde de Porto Seguro), com sua “História Geral do Brasil”, onde se revela nitidamente uma narrativa que estabelece a identidade do “povo brasileiro” e do brasil-estado,  assim como a Literatura brasileira, nascem como projetos imperiais em pleno século dezenove, vindo de forças estatais, latifundiárias e mercantis, loucas por “identidade”, “limites”, “origens”, “dignidades”, “enobrecimentos”, “apoio”, “ordem”, “leis”, crenças de união para as manadas se tornarem uma só, o “povo brasileiro”, “o brasil”, o “estado nacional”, torcendo todas as multiplicidades num “fluxo temporal único”, com uma origem, com razões, sentidos e produzido eternamente para chegar ao sempre atual - “brasil grande”, essa coisa patética que sempre aparece seja em campeonatos mundiais de futebol, seja em momentos de troca de emprego de políticos.

        Projetos imperiais e republicanos, projetos do capital e dos imperialismos, íntimos projetos coloniais, projetos que a obra de mentecaptos sabidos como José de Alencar, senhor de escravos e terras, senador do império, sintetiza bem ao fazer parte das construções identitárias tanto da escrita da História quanto da escrita literária: ela cria e recria e põe forças na nação, nos limites da-nação, nos costumes da-nação, na Língua de oligarcas e de padres da-nação, construindo suas mais “profundas” identidades, aquilo que faria a união dos brasileiros (um povo, uma lingua, uma terra, um poder que possui a capacidade de torcer as multiplicidades e as diferenças numa unidade dócil), o que criaria isso que é o próprio brasileiro, uma mistura bem dosada de escravo imbecilizado, classes médias estúpidas, agregados sabichões de fazendas, engenhos e “casas de família”, funcionários públicos subservientes, miseráveis de todos os tipos, migrantes estarrecidos, famélicos e desprotegidos, enfim, um tipo balzaquiano dos mais desprezíveis e impotentes a tudo que seja grande e absolutamente capaz de toda docilidade funcional, aquele que se horroriza com qualquer idéia que não seja a da sua normalidade e da “paz de espírito”, tudo que foge ao calorzinho dos rebanhos, aquele que foge horrorizado de todas as formas de singularidade e quando podem assassinam, delatam, se calam diante do horror.

        O brasil é uma criação violenta não apenas de “forças produtivas”, de “modos de produção”, de colônias e repúblicas, de governos, de militares imbecis e advogados sempre ignorantes e sabichões, mas tudo isso é assado, cozido, frito no fogo brando e perverso dos saberes, da “Literatura brasileira” e da “História do Brasil”, seus principais cozinheiros. Enquanto uns preparam, protegem, estabelecem a Língua, os outros inventam e guardam uma História por eles mesmos escrita e mantida a fogo e ferro em escolas, mídias, cotidianos coisificados, e sem saída, porque as possíveis “vitimas” desejam tudo, menos deixarem de ser “brasileiros”, de perderem o “brasil”, a jaula e a classificação de zoológico inventada para eles e por eles mesmos. Pois não se enganem: as pretensas “vitimas” são exatamente as que mais desejam a servidão, a famosa “servidão voluntária”. A libertação de tal situação em redes, a fuga desse horror é impossível exatamente porque os “dominados” sempre foram os “dominantes”: são eles que criam, sustentam, protegem, lambem e se alimentam de Deus, do Estado, do Brasil, da Política, da História, da Família, da Propriedade: são precisamente eles que sempre foram a grande base de todas as ditaduras, oligarquias, nazismos, religiões, torturas, normoses: nunca foram “vítimas”: e os “dominantes” (sejam aristocratas, burgueses, políticos ou qualquer dessas deformações sinistras e parasíticas) não passam de formas de “dominados” exercendo suas funções no horror. Por isso não há “teorias libertadoras”, exatamente porque não há ninguém a ser libertado, iluminado, conscientizado, levado ao paraíso seja de cristãos, de marxistas, de democratas, de liberais, de anarquistas ou qualquer outra forma degenerada de religião.

        A transformação da escrita de uma “História literária” numa “História científica”, se é que isso aconteceu ou pode acontecer, não mudou a função subserviente da Historiografia brasileira, isto é, não desfez o trabalho da construção imaginária de um tempo estatal, nacional, não instaurou uma crítica dissolutiva, aquela que acompanhasse a genealogia da instauração desse tempo dominador servindo tão somente a consolidar identidades, despolitizar os imediatos, se tornar pedagogia apascentadora de manadas famintas por estabilidade e segurança. Precisando dum mundo imóvel, consolidado, de uma interioridade protegida por papai do céu e papai da terra, por patrões e sacerdotes, por deus e pelo estado, mediado pela família, isto é, não há diferença essencial entre Von Martius, Francisco Adolfo de Varnhagen, Capistrano de Abreu e José Honório Rodrigues, Emília Viotti, Fernando Novais, Boris Fausto Evaldo Cabral, José Murilo de Carvalho, - entre Gilberto Freyre (que daria tudo para ser visconde de qualquer coisa) e Jacob Gorender.

        A historiografia brasileira não é mais que uma pedagogia da imobilidade e das territorializações. Nela, tudo aconteceu, e continuará acontecido. Deus, o Estado e a família agradecem.

Literatura Brasileira

        Temos a impressão que a Literatura sempre existiu. E tome Literatura egípcia, Literatura Persa, Literatura grega, Literatura Chinesa, Literatura medieval, Literatura asteca, Literatura sumeriana, Literatura Xavante.

        Escrever histórias, lendas, fábulas, mitos, poemas não é escrever Literatura. O que chamam Literatura é coisa muito mais danosa, lesiva, evasiva e hidrofóbica (teme o que flui, o que jorra, teme os devires, as desterritorializações): é uma mercadoria, que nasce sendo vendida, sendo feita para vender, para circular num mercado sendo transformada em dinheiro. Sem dinheiro, sem o estímulo do dinheiro, sem mercado, sem compradores, sem capitalismo, não há Literatura.

        Shakespeare não escrevia para o deleite de uns poucos escolhidos, mas para produzir dividendos, recolher dinheiro de espectadores e, no fim da vida, uns trocados pela venda de suas peças em livro, mas era o oposto do espírito de severidade do seu ao redor, fazendo fluir, também, as forças, as multiplas potências e intencidades que escapavam ao seu “pequeno mundo”. Cervantes não escrevia para seu prazer íntimo, solitário e para uns escolhidos, mas para um mercado ávido de leitores e ele, ansioso por respeitabilidade, por reconhecimento, morreu na miséria sonhando, como seu Quixote, dignidades e dividendos, mas era um mundo dentro de outro mundo, absolutamente o contrário da severidade inquisitorial da Espanha dos muitos letrados parasitas: uma coisa é o escritor, outra a literatura que ele ousa fazer ou não. Ele pode ser um parasita, mas sua Literatura pode ser o inverso dele, enquanto ele imobiliza o mundo com sua falta de caráter, sua literatura, surfa.

        Goethe não escrevia para aprimorar sua compreensão do mundo, mas para brilhar nas cortes e receber em troca poder, dinheiro e prestígio, forças bem concretas que ele aproveitou a vida inteira, mas sempre aberto a algo bem maior que os sonhos nacionalistas. Também ele desterritorializava, abria portas, criava links, surfava nos devires.

        Balzac e Dostoievski vendiam criteriosamente cada capitulo dos seus livros para os jornais e cada vez mais por mais dinheiro, e só escreviam por dinheiro, mas nem por isso deixavam de abrir aquilo que, na Literatura, permite e faz fluir o imóvel, o estável, o aceitável. De dentro da Língua nasce os surfares que desfere contra a Língua um ferão mortal. Isso “nós, os brasileiros”, não fazemos, nunca fizemos, apenas mentimos, escondemos, burlamos, pondo a culpa na Língua, na “falta de poder político”.

        “Nosso problema” não está na Língua, numa pretença falta de conhecimento mundial da Língua ou falta de poderes políticos e econômicos, mas na falta de coragem dos letrados de todos os tipos, nas suas atuações letradas servirem tão somente para manter e solidificar as despolitizações dos imediatos, tão conhecidas dos historiadores.

        Os livros de besteseleres e Paulo Coelho não são exceções na Literatura brasileira, mas a norma, o código, a forma, a razão, o desejo, o sentido, os procedimentos (sempre oligárquicos) girando em torno de prestígio e dinheiro, mas nem em Paulo Coelho, nem em Machado de Assis, nem em Graciliano Ramos, em Guimarães Rosa ou Clarisse Lispector, ou Carlos Drummond de Andrade e Castro Alves se foi além de serem funcionários da Língua, servos do Brasil, e suas obras não são mais do que “documentos da barbárie”, isto é, aquilo que chamam de Literatura brasileira é tudo, menos uma literatura, antes uma escritura falsa, sustentando uma ordem muito bem construída e mantida, um suporte do “estado nacional” e do “povo brasileiro e seus costumes”.

        Isso é a Literatura brasileira: aquilo, ou aquela escrita que não enfrenta e não expõe o horror, que se despolitiza no nascedouro porque precisa vender, precisa agradar, precisa alisar sem morder, ou morder delicadamente, respeitosamente, precisa cumprir sua função produtora, reprodutora, capacho, mimética, funcionária. Fora dessas funções a Literatura brasileira escorrega sem sentido. Pode até ser agradável para fazer passar certo tempo, mas não vai mais longe, e nunca foi.

        A chamada “Literatura brasileira” é a da Língua domesticada, Língua doméstica, Língua domesticadora; Língua da-nação, Língua do estado, Língua de deus, Língua de sacerdotes, Língua de letrados, Língua de professores de português e gramática e sintaxe, Língua de sabatinadores; Língua dos filhos dos senhores de engenho, dos senhores do mercado, dos senhores das terras, dos senhores do comercio, Língua comerciante, Língua industrial, Língua latifundiária, Língua da terra; Línguas das sinhazinhas casadoiras, Língua de advogados, Língua da lei, Língua dos leitores-estudantes-filhos-de-papai; Língua das igrejas, Língua das salas-de-jantar, Língua das salas-de-aula, Língua dos shopingcenteres, Língua das mídias, Língua respeitável; Língua territorializada, encapsulada, Língua contra os devires; Língua dos corpos dóceis, imbecis, tolos e sabidos dos leitores: literatura integradora do projeto nacional.

        A Literatura brasileira é uma estrutura panóptica (um lócus de inspeção, uma sela bem guardada, um lugar do estado, do senhor e das senhoras, um lugar que permite ver a nós mesmos enquanto manada já produzida, comesticada), estrutura imperial e republicana, que vai e vem, pelo menos, de Macedo á Marçal realizando exemplarmente sua função estatal, nacionalizadora, mercantil, institucionalizadora, mantenedora das identidades da-nação.

        Seja Macedo vendendo seus livros em tabuleiros levados por escravos ou Marçal vendendo seus livros nas melhores editoras sendo logo transformados em filmes, o conteúdo é sempre o mesmo: bairrismos, localismos, nacionalismos, regionalismos escondidos, se apresentando como grandes obras. Basta ver o insosso, medroso e minúsculo Machado de Assis, que infelizmente produziu uma Literatura minúscula, medrosa e insossa, que nunca passou de um escritor-funcionário e, exatamente por isso, conseguiu tornar suas obras o eixo dessa Literatura de terceira categoria, Literatura que nem consegue extrapolar seu território exatamente porque é escrita territorial, escritura falsa, documento, textos de servidores; ou Guimarães Rosa travestindo o mais chulo regionalismo em jogos de palavras para esconder exatamente seu inescapável regionalismo, que todos chamam universalismo precisamente porque assim se esconde sua pequenez grotesca, sua servilidade pessoal diante das ditaduras brasileiras e sua posição diante da lei; Graciliano Ramos, servindo a “ditadura do estado novo” de dentro e caladinho, e sua escrita imobilizadora da terra, expondo um viver imóvel, sempre territorializado, respeitoso da Língua do senhor, sempre seco e austero como deve se comportar um letrado consciente do seu kafkiano lugar, um sacerdote de stalin, da família e do brasil; ou “nossos poetas”, como Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da “ditadura do estado novo”, que a única coisa que fez na vida, assim como todos os poetas portugueses e brasileiros, foi escrever “crônicas poéticas”, que são travestis de poemas, escritura medrosa de serviçal escrevendo bonito enquanto trabalha nas ditaduras dos “campos de trabalho e reprodução” que chamam de país: nossos poetas são funcionários públicos não para se sustentarem, mas são poetas porque gozam antes duma posição e dessa posição conquistam sua vida e seu lugar “mais nobre” nas letras: nada neles faz fluir, desterritorializa, enfrenta ou expõe o horror, tudo neles é retórica, crônica camuflada, texto que pode ser lido por todos, artigos de jornal. Todos eles “escrevem bem”. Por isso nenhum deles jamais fez literatura.

O centro da Questão

        Toda essa seqüência de funcionários servis da Língua, do Estado, que se autodenominam escritores, mas que na verdade são escrivães, prestam um valioso serviço ao fazerem crer, crendo também, que “expressam a realidade”, que “representam seu tempo”. E assim se unem ao historiador nos nobres e grandes papeis de criadores, salvadores e mantenedores da pátria e sua ordem.

        O realismo, que atravessa toda a Literatura brasileira até quando mente que é outra coisa, é uma espécie de crença no escrito que escapa para as “linhas do mundo”, e “ler o real”, escrever o real, se torna o próprio real numa inversão judaico-cristã: o monstro é enfrentado apenas no espelho; o senhor é burlado, invertido e vencido apenas no sonho, no teatral, no ódio impotente e medroso: a letra é o mundo, a palavra do senhor é a verdade, a casa do senhor é sagrada, os delírios do senhor é o real, a lógica do senhor deve ser protegida assim como protejo a mim e a tudo que é meu: sou o senhor: escrevendo simulo que combato dragões, malfeitos e malfeitores: o senhor se esconde nos realismos, na defesa dos mais íntimos valores burgueses e cristãos, como a igualdade, a liberdade, a fraternidade, e outras virtudes teologais.

        Os “povos do livro” se congregando aos torpores interesseiros que protegem o poder e os poderes, reverenciam o escrito como se fosse ele o próprio real; como se fosse expressão do falado, do pensado, do rezado, do sonhado, dos imediatos; e com essa associação mágica, xamãnica, animista, o escrito passa a fazer parte da rede simbólica, virtual, lingüística, carnal, que torna o real real numa sobre-reificação escondendo não somente o caráter de signo, de “entes de imaginação” que são os próprios “critérios histórico-sociais”, mas que, partindo da subjetividade, cria a atmosfera e o campo objetivo, articulado, lógico, indo se agregar aos conhecimentos e percepções como se proviesse do próprio viver (a “aura mágica da letra escrita”).

        Nem o literário, ou o historiográfico, “representa o real” nem o “real projeta o literário”: os realismos dizem muito pouco do viver e muito das “ideologias” e das visões de mundo (devidamente naturalizadas e universalizadas) de determinadas redes vivas de repetição e vivência: o real não se reproduz a não ser enquanto impotente imaginação: o real são idéias, não aquilo que, por essas idéias, sentimos-pensamos como real: o caso dos realismos e das escrituras de “classe média” servem unicamente como documento, cartografias turísticas, não enquanto literatura precisamente porque esconde de si no seu bordado não apenas a feitura, a su-posição do olhar, mas que o que aparece não é o real (um real-mesmo jamais poderia aparecer, poderia ser posto em palavras: isso seria truísmo se não fosse tolice), mas os imaginários de superfície sobre a rede de vivências reificadas: o real é o efeito pirotécnico da hegemonia. Mas a superfície, “entre nós”, pertence às oligarquias, e por ser oligarca se mantém espessamente realista e corporativa.

        Assim, “entre nós”, o real tem sido construído através de uma tópica que, entre o século XIX e o XX, veio se configurando como estilos realistas: o historiográfico, o jornalístico, o sociológico, o psicológico, o memorialístico são exemplos que, ao leitor, dão a sensação de dialogarem explicitamente com a existência, de vivenciarem espontaneamente o passado, o presente, o outro, o eu, o imediato, o social: sem desvendarem a si mesmos enquanto tópica, enquanto gênero, enquanto imaginação de apoio e ficção: o real que aparece é resultante de efeitos, de protocolos, de técnicas, de padrões, de viezes, de redes específicas de vida, de fórmulas jornalísticas e literárias, de efeitos historiográficos, de convenções artísticas, de ritmos e respirações, de ocultamentos e simulacros: as naturalizações, as universalizações e as generalizações se encarregam dos efeitos especiais no final: e o real parece surgir deslocado da escritura, desenvolvendo sua dança na vida, no imediato, solto das regras literárias, historiográficas e de classe que puseram ele para representar, camuflado nessa soltura as funções da encenação: nosso real dança num imaginário prisioneiro.

        Essa oligarquia realista da superfície (como todas as teorias miméticas) tem raízes profundas “entre nós”, mas seu aparecer acon-tece nas palavras, imagens, idéias, noções, crenças, ações; esse espírito oligarca escolhe nossos parceiros em nós e segrega com o olhar, a piada, o chiste, o muxoxo, os trejeitos; maltrata e mata e tortura “homossexuais”, “negros”, “índios”, “pobres”; abastece a percepção e ordena os materiais oníricos; essa oligarquia realista é o real das relações e se transforma em condicionador do produzido, do comentado e do que deve circular exigindo cada vez mais o mesmo, a confirmação de si mesmo, do seu entorno e do seu intorno. Suas matrizes são ditas “históricas”, mas sua vigência é presente e atuante, é imediata, a História não pode dar conta. Seu aparecer não se dá mais como antigamente: num processo de invaginação a oligarquia permanece como dimensão interpessoal, geradora, protetora e reprodutora de si mesma fora do tradicional “âmbito econômico-social”: outras formas do mesmo.

        Na oligarquia das letras (a que sempre escreveu o contrato da escrita e da leitura numa língua diferente da do “povo”, seja a Literatura brasileira, seja a Historiografia Nacional, seja qualquer outra manifestação discursiva) não há, explicitamente, um “governo de poucos”, personalizados, mas difuso estamento dominante, eficiente, grupos e indivíduos disseminados pelos mais diversos “canais culturais, estatais e econômicos” detendo o acesso e permitindo ele somente segundo regras estranhas ao pretenso fazer literário ou historiográfico, tendo esse aspecto apenas dimensão secundária. Se houver talento, inteligência, capacidade, melhor, mas sempre dentro do “espírito”, do modelo conhecido e respeitado, sempre fazendo parte da “patota”, da “igrejinha”, do “grupo”, dos “amigos”, da “instituição”: muito fora do arquivo e do depósito - nada: a Literatura brasileira é discurso escolhido, selecionado: pelos “processos do compadrio”, pelos “irmãos de letras”, pela “confraternidade literária”, como nomeava José de Alencar, ele próprio oligarca e oligarquizador.

        A Literatura brasileira garante sua identidade se reduplicando, reafirmando as relações oligárquicas, as realidades nacionais e fazendo elas aparecerem como “ficção”. Essa Literatura é patrimônio, capital utilizado para reduplicação de si mesmo e para todas as honras da posição. Sendo Literatura, é escritura para servidores e reprodução de servidores, confirmada por todo um processo educacional (“é uma continuação do exame de português”, como dizia lima barreto, outro louco para fazer parte) e por todas as condecorações, medalhas e fardões honorificos do panteão nacional.


        Os “produtores” da Literatura brasileira, os escrivães, dão continuidade ao conjunto lingüístico como quem passa e repassa dinheiro, uma mais valia simbólica, capital social antes que literário, sem entender, sem contestar, sem modificar o conteúdo dessa negociação continuada. Nesse tráfico não pode fazer parte o pensamento enquanto negatividade, superação de localismos superficiais ou compreensão das matrizes perversas do real. O escrivão (o trabalhador da escrita) é um escrevente inconsciente exigindo a inconsciência mercantil, filosófica, radical do seu leitor.


        Determinado conhecimento, experiência – é vetado, impedido de fluir, sendo substituído pelo conhecimento e experiências letradas de determinadas classes em precisos “momentos sociais”: não se transmite o fluxo integral, mas parcializado; não se faz explodir a consciência, mas o mesmo é renomeado. O pensamento advindo dessa lanternagem de segunda categoria deixa bem claro como a nação pensa, como vê, como desdobra a si mesma enquanto palavra e, com isso, podemos dispor de uma via privilegiada para saber como “o povo” produz, reproduz e faz circular suas moedas falsas, moedas que se crêem representação, suas mais ridículas e fascistas imagens como se fosse arte.


A Historigrafia, a Crítica Literária


        A matéria essencial da pesquisa historiográfica, é a linguagem: é uma espécie de conjugação de construção e desconstrução interpretativa de “materiais lingüísticos”: documentos em geral são sempre sistemas de linguagens: figuras, máscaras, peças, montagens, arquivos, astúcias, poderes e forças cristalizadas; interpretações, perspectivas, lócus, disfarces, máscaras, instituição: cicatrizes, chancelas, sinais, inscrições, regras im-postas que formam redes: o historiador cria redes pro-vindas de redes já organizadas: poder sobre poderes: força contra forças: a história é um dos principais eixos de apoio discursivo da ocidentalidade, a máquina tribal, sempre entrelaçado aos eixos cristão, científico, filosófico e jurídico: a História é o gerador e mantenedor disciplinar dessa discursividade maquiada como “temporalidade”: a História é o cão de guarda do tempo, uma das suas criações: sua missão não é desprezível nem sua marca invisível: seus poderes são muito maiores do que se imagina: assim como a Literatura, ela age numa dimensão gerativa, fundamental. Daí porque nem a História, ou uma Crítica Literária, ou mesmo uma Filosofia, podem “dar conta” do pretenço “fenómeno literário”. Quem pode dar conta da Literatura é a literatura. Mas a chamada “Literatura brasileira” pode ser objeto de estudo porque não passa de uma escritura falsa, ficando muito mais no ámbito dos documentos da ordem, que constroem o estado e mantêm ele funcionando com seus torpores, do que aquilo que realmente uma literatura poderia fazer, isto é, fazer fluir as forças, desestabilizar, desterritorializar, desmobilizar o estabelecido, criar uma “lingua menor” como um virus dentro de uma “lingua maior”. Isso a História ou uma Crítica Literária poderia fazer, se elas mesmas não fizessem parte das mesmas estratégias, dos mesmos dispositivos que procriam a Literatura brasileira. São partes das mesmas redes territorializadas, imobilizantes. Nada podem fazer a não ser reproduzir as reproduções.

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Palestra no II Encontro de História: Historiografia Brasileira - Problemas, Debates e Perspectivas.  Universidade Federal de Alagoas, Curso de História, 27 de outubro de 2010.

sábado, abril 15, 2006

Alberto Lins Caldas

domingo, agosto 28, 2005

liberdade de corpo

se a palavra tem dono, é regulada, ordenada, posta a serviço, e cada vez mais é preciso lutar pela liberdade absoluta da palavra, da língua, o corpo exige também lutas particulares, guerrilhas próprias e cada vez mais urgentes (http://www.albertolinscaldas.unir.br/tudodizer.htm).
direito ao aborto: o corpo é meu: se a morte é considerada há algumas décadas como cerebral, se estar morto é não haver atividade cerebral, quem disse que um feto de algumas semanas ou mesmo meses tem atividade cerebral significativa, "humana": o contrário esconde o controle de uma forma submissa de corpo, aquele que normalmente se chama mulher ou feminino: ele pertence a todos e a tudo, menos a quem é ele: corpo regulado para reproduzir, não para ser: e mesmo independente de vida ou morte cerebral, o direito é desse corpo, dessa vida, dessa escolha e de mais nada: eu escolho: o estado e os outros não podem garantir a vida como se fosse um direito sagrado quando na verdade estão garantindo a reprodução dos trabalhadores e dos serviçais.
direito à eutanásia e ao suicídio: nenhum estado, nenhuma família, nenhum poder, nenhum outro pode dizer que não posso morrer, que sou obrigado a continuar vivo, quando considero minha morte, meu desaparecimento como essencial: isso quem escolhe sou eu.
direito às drogas: por que não devo fumar, me drogar, fumar até me fartar? se pessoalmente não gosto, nunca provei e tenho outros desejos, outro caminho, outra ordem, não posso nem devo dizer aos outros o que tomar, o que beber, o que cheirar, o que injetar; somente estados e sociedades facistóides e preocupadas com a saúde e os horários de seus funcionários pode criar leis proibindo, regulando e punindo o consumo ou a “apologia aos crime” (mais uma vez crime de opinião, de expressão, de idéias). direito a uniões: proibir casamentos entre indivíduos é uma das coisas mais estúpidas e compreensíveis do mundo: se o mundo não fosse nazista isso não aconteceria: o desejo, sob que a forma momentânea ou estável que se coagular, deve ter o absoluto direito de consensualmente se unir a que outra forma de desejo, de corpo, de língua, de crenças: e legalmente como precisam para viver em relações econômicas, sociais, políticas e familiares.
o corpo, desde que pleno de consciência, de desejo, pertence a ele e a mais ninguém.

sábado, agosto 27, 2005

O INTELECTUAL E O DESTERRADO


*. O intelectual não é quem tem uma “formação acadêmica”, mas é, antes de tudo uma espécie de “agenciamento” numa forma específica que faz as mediações peleguistas entre o que chamava certo marxismo de “superestrutura e infra-estrutura” (“bloco histórico”): seu lócus nas “relações materiais” e nas “relações sociais”: é uma situação de amortecimento em forma de um agente onde o imaginário e o tempo não se descontrolam, mas são mantidos na ordem explicativa, na ordem causal, na ordem da ordem: por numa gramática, numa lógica, numa causalidade.
*. Em sentido amplo o “intelectual engajado” parece que desapareceu no fim dos anos setenta do século XX. Com a desmoralização das ideologias transformadas em filosofia e ciência e delas mesmas como arautos da verdade, filho do absoluto e do real, esse intelectual meteu o rabo entre as pernas e, quando não morreu de velho, voltou para sua biblioteca ou algum emprego bem remunerado. E calou a boca pública. Mas não foi por uma possível “ascensão dos valores individuais”, por uma “explosão da mídia” ou pela impossibilidade de aliar política e ética, reflexão e ação.
*. O intelectual “sempre” foi aquele que defendia “valores universais”, “verdades naturais”, “ações conjuntas”; falavam pela “humanidade”, pela “sociedade” ou por alguma especialidade qualquer (a especialidade também trata da universalidade dessa parte) e faziam parte de uma oligarquia das letras (grupos de formação, respeito e dialogadores; lugares de formação; relação de divulgação; produtores da mercadoria cultural; respeitabilidade da cultura e do saber; senhores do discurso): daí seu lugar ficar sempre camuflado: seu lócus não podia nem devia aparecer: só apareciam suas universalidades e seus valores, seus livros, artigos, quadros, músicas, esculturas, peças de teatro, poesias: as relações de formação, produção, divulgação, manutenção e legitimidade ficavam obscurecidas por suas próprias palavras e ações: pareciam não pertencer a lugar nenhum, desde o mais engajado ao mais especialista, do mais revolucionário ao mais integrado.
*. Seu papel era transformar ética em política, conhecimento em ação, da doutrina ao empreendimento, do aprendizado ao ensino, do saber ao fazer saber: intelectual seria todo aquele que pensaria, que transformaria pensamento em ação ou, pelo menos, na reprodução do seu aprendizado. O que tratava com os saberes de uma maneira ou de outra. E esses saberes deveriam estar engajados numa posição “progressista”, se os intelectuais fossem “engajados”, críticos; de uma maneira institucional, se os intelectuais eram funcionários; de uma maneira revolucionária se os intelectuais eram revolucionários; e de uma maneira “popular” se o intelectual era “orgânico”, ficava na sua comunidade, no seu bairro produzindo “cultura” ou “organizando o pessoal”.
*. O que sempre ficou na obscuridade e na dúvida era a posição do intelectual engajado e do intelectual genérico (classe, grupo, instituição, povo, nação): falar do universal é falar de todos os lugares; falar de um lugar e de um saber específicos era ser especialista; falar daquilo que se faz para seu lugar é ser intelectual popular (artista popular): mas todos pairando sobre as condições imaginárias que geram os lugares e suas funções.
*. O intelectual sendo “fruto de uma realidade sócio-cultural específica”, estando sempre “intimamente ligado a seu contexto histórico” não passa de uma “vaca de presépio” que nega exatamente essa condição não somente humilhante, mas que inviabiliza concretamente as vias negativas da existência: sem que essa negatividade corrompa realmente, dissolva e disperse concretamente, a vida torna-se somente a vida da manada, do cardume: o intelectual é aquele que pertence sem se sentir pertencendo e convencendo os outros que está ali bebendo, escrevendo, ensinando, pintando, esculpindo, fazendo música, conversando, ensinando, mas não está, está noutra: ocultamentos.
*. Todas as formas de intelectuais são aterrados: pertencem a um povo, a uma nação, a uma língua, a uma História e a uma história; a um sistema de idéias, a uma filosofia e a uma visão de mundo; comunga com valores e rituais; com crenças específicas, com fazeres e a relacionamentos estabelecidos; defende “relações de produção” e “meios de produção” de coisas demais (de uma maneira ou de outra o que ele mais deseja é “contribuir”); salva o estado nem que seja matando todos que discordem disso; respeita técnicas e tecnologias; tem uma cor, um sexo, uma palavra, uma missão, um credo; compartilha peculiares “relações de poder”: sua função básica é esconder esses aterramentos, esses pertencimentos, esse respeito último, ou primeiro, tanto ao universal e ao genérico, quanto ao local e ao específico, o nacional e o mundial: sua ação faz fluir, permite fluir, diz porque flui, para que flui e porque deve fluir: ele, de uma maneira ou de outra, materializa o imaginário: mas essa materialização é, antes de tudo, ocultamento, velamento.
*. Aterramento: é tanto soterramento e pavor quanto deixar passar a corrente. Aquele que “se aterrou”: coberto, cheio de terra, próximo da terra, surge de um aterro, terra firme “no centro ou à margem”: fora dos alagadiços: sua função é cobrir de terra, esconder-se embaixo da terra; o aterrorizado (o medroso, o apavorado, o intranqüilo): o medo faz parte do intelectual, principalmente em sua forma “funcionário público” e nas “profissões liberais”; sua matéria entra na terra como rizomas deixando passar incólumes os raios, as vibrações, as trepidações, as energias, as negatividades: não permite que nada disso faça mal, atinja o que não deve atingir: ele explica, põe nos moldes, no tempo correto, no devido lugar, na forma certa, no específico movimento, nas requeridas palavras. Não há intelectual sem ser aterrado: todo intelectual é aterrado.
*. O desterrado não é intelectual, mas um vírus, uma guerrilha singular, uma bactéria sozinha devorando o sistema, a estrutura, insatisfeita, se auto reproduzindo, destruindo sem pretender construir; sem os sentimentos aterrados (no coração), sem os lugares aterrados (no planeta, na pátria, na região, no bairro), sem a carne aterrada (um sexo, uma cor, uma família): sua ação é estar fora mesmo estando dentro: está dentro por não poder estar em lugar-algum (prefere o nada ao ser): todos os lugares são matéria da sua atuação destrutiva: é a negatividade radical: desde baixo, por dentro e por nada: sem origem e sem fins: não pertence ao todo: exclusão, exceção, excomunhão, proscrição, desterro, transferência, mudança, transplantação, exílio, expatriado, deportação, degredo, desembarque, evacuação, deslocamento, dispersão, ejeção, levar fora, pôr no meio da rua, no meio do olho, relegar, vagar, rechaçar, desconjuntar, foragido, contra a lei, contra a ordem, estranho, violento: não quer “mudar a história” porque para ele não existe história, não quer mudar a natureza porque ele sabe que a natureza não existe (por isso tudo é possível!), não quer mudar o estado porque ele quer que tudo vá pelos ares: ele não luta por um fim, mas simplesmente contra, inclusive contra si mesmo: seu horror ao espetáculo, a tudo da tribo, aos relacionamentos e idéias, as formas e aos conteúdos, aos valores e saberes, ao tempo e ao ritmo é tão grande que sua ação virótica é somente dissolver de todas as maneiras enquanto estiver vivo: seu único horizonte é a individualidade: esse é o seu único desejo, seu único gozo, sua meta e seu fim.
*. Não “mudar a História”, não “não mudar a sociedade”, não “mudar os costumes”, não “mudar o pensamento”, não ter nenhum “projeto”: mudar tudo, ser contra tudo sem projeto, sem fins, sem estado, sem utopia, sem bons valores e boas morais, sem ser “guia espiritual”, sem compactuar com nada, sem carregar nenhuma verdade, sem nenhuma ideologia: ácido e merda sobre tudo.
*. Os intelectuais, mesmo sendo necessária e possivelmente incômodos, por fazerem parte de um grupo (normalmente a parte crítica desse grupo ou da nação como “missão maior”), não podem ir até o fim: suas constituições (pois existem vários tipos de intelectual) são de bobos da corte: servem para divertir incomodando, dizendo, ensaiando o que ninguém diz, mas isso guardadas as devidas proporções, o limite, a ordem, a cadeia de crenças fundamentais: o rei, a corte, os súditos e os companheiros riem e compartilham até certo ponto. Depois que ele deixa de ser parte do sistema, de fazer rir e fazer chorar, de encenar e se encantar, e dizer e fazer o que deve ser dito e feito para melhorar o rei, a corte e os companheiros, isto é, quando deixa de ser intelectual, sua condição piora muito: fuzilado, torturado, preso, perseguido, exilado (o exílio do intelectual nunca é verdadeiro: ele morre de saudade da sua terra, da sua pátria, dos seus concidadãos: o desterrado não tem pátria e não se guia por essa falta: ser sem pátria é condição de sua respiração, do seu sangue, das suas idéias, não um horror, uma saudade: é uma libertação) ele muitas vezes já é sendo somente intelectual, quando se torna um desterrado sua situação é insustentável.
*. O intelectual vive fazendo mediações: vive em trânsito entre o poder e os poderes, entre as crenças e outras crenças, entre metrópoles e periferias, entre a escrita e a fala, entre os pobres e os ricos, entre a língua dos senhores e a “língua do povo”, entre ter ou não ter (que vocação de pelego!): sua antiga crença batmaniana de “defensor dos fracos e oprimidos” dissolveu-se em pó, em sangue, em grito, em erudição ou cumplicidade: sua perspectiva dos “desfavorecidos” mostrou-se piedade de classe, a falsa visão da má-fé, sendo somente corrente de sentimentos camuflados de ideologia; sua “perspectiva dos operários”, do “ponto de vista do trabalho” como queria Lukács, terminou em banhos de muito sangue; sua vontade de “guardião da democracia” terminou num emprego, numa posição, numa disposição, num bem-estar: terminou em conversa; sua boa-vontade de que todos fossem também intelectuais, que vem desde o iluminismo (passando por Marx, Weber, Lênin, Gramsci até Bobbio), mostrou o quanto de mentira pode caber numa simples verdade que não sabe que é somente mentira e má-fé. De porta-voz ele passou a ser o que sempre foi: porta-bandeira. A diferença é que antes eles faziam circular seu discurso entre os pares e os interessados, entre os companheiros e os simpatizantes, agora seus discursos fluem via mídia, num espetáculo miraculosamente carnavalizado, que é o mesmo que ridiculamente em festa.
*. O intelectual não consegue nem ver nem fazer ver a diferença, os devires da diferença porque sua visão é narcísica, sua atuação é hipnótica: como crê em universais, em natureza e ciência, na história e no mercado, sua matéria só pode ser o mesmo: ele não consegue perceber ele mesmo sempre ali diante dele, e tudo que ele acredita, e tudo que seu mundo acredita: tudo naturalizado, historicizado, sociabilizado, universalizado: pobre cria da “revolução francesa” e dos mais chulos romantismos: é cristão, é messiânico, é litúrgico e não sabe.
*. Não há nada predestinado num intelectual: ele é a resultante do seu lócus e a inclusão de outro lócus como se fossem seus: discursos sobre discursos entrelaçados: daí o intelectual se tornar um mistério. Somando-se a isso o jorro de escuridão vindo de sua atuação e falas (missão revolucionária, sacerdotes do saber, visionários, profetas, políticos, carregadores das explicações, filósofos) o intelectual se “encontra com a história” e alardeia esse encontro inventado por ele mesmo: ele se encontra com nada e diz que está “no olho do furacão”: o intelectual vive seu teatro como se vivesse realmente no imediato do presente (vive perdido no tempo: dando uma ordem esperada ao tempo): seu imaginário, como corresponde ao imaginário social (que é alienado, hipostasiado diante de si mesmo), é um se curvar para escutar melhor seu próprio eco. Esse eco aparece como “consciência verdadeira” ou como a “vanguarda do pensamento”: ilusões do grande “movimento punhetista” que todo intelectual faz parte. Assim ele dissimula não somente sua classe, os limites da sua verdade e da sua atuação, do seu grupo e das crenças desse grupo, mas cinicamente com as desculpas da má-fé, a si mesmo como um elemento de uma rede discursiva periculosa.

*. “Produto de sociedades despedaçadas, o intelectual é sua testemunha porque interiorizou seu despedaçamento. É, portanto, um produto histórico. Nesse sentido, nenhuma sociedade pode se queixar de seus intelectuais sem acusar a si mesma, pois ela só tem os que faz.” (Sartre, 1994: 31)

*. O “intelectual brasileiro” é somente aquele que faz parte da oligarquia das letras: de uma maneira ou de outra da órbita do estado e da nação (não há intelectual sem alguma crente relação com o poder e com os poderes): ele é a consciência, nunca realmente crítica, dessa forma de existência imaginária da hegemonia: não é considerado quem está fora, quem não faz parte, quem não tem amigos, colegas, companheiros: quem não defende aquilo que faz um brasileiro: seu horizonte é o brasil”: uma específica mentalidade imbecil que se formou entre os senhores, os escravos, os agregados, os migrantes e os funcionários públicos: o intelectual como aquele que “transmite o conhecimento” faz parte da “construção da nação”, do universinho verde amarelo, lusonazista: sua função, de uma maneira ou de outra, acadêmico ou revolucionário, sempre foi “servir à pátria”, sempre foi fazer parte, sempre foi “contribuir para a elevação do nosso povo”, para o melhoramento da “nossa língua”, para a “aprendizagem do trabalhador”, para o “futuro da nação”. Excepcionalmente o incômodo do intelectual brasileiro passa rápido (“via de regra” não dura três dias): basta um emprego, um dinheiro, um respeito, uma cadeia, uma torturazinha básica, um casamento com filhotes, um pouco de tempo e tudo bem. A “consciência crítica”, que é uma das funções tradicionais do chamado intelectual, sendo parte integral e esperada do “espírito de corporação”, do nepotismo, do filhotismo da oligarquia das letras, é sempre comparativo, efusivo, integrativo (“não tem valor porque parece com ...” ou “é uma revelação”, ou “um grande momento da nossa cultura” e por aí vai): como são idéias e formulas da oligarquia, elas são esperadas e funcionam muito bem pelo menos durante esses dois últimos séculos: não há nem nunca houve no brasil realmente nenhuma negatividade intelectual: tudo se enquadra e é feito para se enquadrar.
*. O “dever crítico”, gramsciano, que estabelece uma “relação crítica” com a cultura, com as idéias e, principalmente com a “vida política”, que seria uma das suas funções, aquilo que possibilitaria uma “mudança social”, no brasil, é absolutamente impossível: tudo isso é feito por um estamento preciso (vem de todos os lócus, mas cria imaginariamente um lócus de inspeção, onde o “agir livremente” sartriano é uma paródia da liberdade), por uma corrente determinada, por uma “prostituta respeitosa” que tem o brasil como eixo e margem. Essa nacionalização constitutiva do intelectual brasileiro, participando da verdade como se ele e ela não fossem lados do poder e das igrejinhas, não chegou sequer a se tornar, a não ser no delírio estúpido dos “militares”, um “contra-poder” ou um “poder-contra”. São vigilantes da verdade do estado, da nação, da língua dos senhores, da história, da natureza, do mercado, das mercadorias, dos amigos, da oligarquia. Sua luta ocasional e forçada contra “abusos de poder”, “violações de direitos”, “autoritarismos”, “desvios”, “censuras”, “crises políticas”, “tensões sociais”, “injustiças” são sempre dentro do possível, do permitido, do esperado, do justo, do integrado, daquilo que libertaria a nação de algo estranho, imperfeito, deformado, não de algo que faz parte constitutiva da nação, do estado, do brasil (e o chamado povo sempre de quatro defendendo sua posição, seu enrabamento violento, sem trégua, e louvando seus senhores com toda a sua “cultura popular” e suas minúsculas crenças cotidianas: sempre de braços e pernas abertas). Daí porque o intelectual brasileiro jamais ter podido ser uma “consciência crítica”, um exemplo, mas somente mais um integrado, um membro dileto da oligarquia das letras, se mantendo numa posição cultural e numa “memória nacional” precisamente por sua posição diante do poder e dos poderes, dentro e para o lócus de inspeção. Sua ética, ligada ao estado, as crenças sociais, aos poderes, a oligarquia das letras, mesmo vivendo aterrada entre misérias e horrores, desigualdades e injustiças monstruosas, não consegue se libertar do campo de força do brasil. Sua palavra é sempre integrada, risonha, participativa, funcional, nacionalista, bairrista e oligarca, mesmo quando esconde isso com “discursos competentes”, ficções e cidadanias.

BIBLIOGRAFIA

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BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Difel/Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1989.
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CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Livros do Brasil, Lisboa, s/d.
CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Moderna, São Paulo, 1982.
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domingo, janeiro 02, 2005

ORIGENS – há uma pergunta recorrente que é usada praticamente em todas as situações: “de onde você é?” esse “é” diria, ao ser aceito e respondido, posto em lugar e tempo, quem é o sujeito, o que pensa, o que faz, porque e como pensa e faz, porque fala assim dessa maneira, e age e sonha e escreve e planeja e trabalha e se relaciona assim.
esse “é” é mágico porque ele é o zoológico perfeito (ele põe no setor correto, na jaula certa, na placa definidora, na alimentação requerida, com os companheiros corretos, com os comportamentos de praxe); a taxonomia ideal (na legítima espécie, no verdadeiro gênero, na requerida ordem: sem mutações, sem vazios, sem indecisões, sem enquadramento, sem não-aceitações, sem revoluções radicais, sem não); o senso absoluto (aqui eu me ponho, aqui eu sou, aqui está minha diferença e a razão da minha diferença); na história verdadeira (isso me diz, esse processo me caracteriza, essa origem me satisfaz, essa tribo sou eu, esses irmãos me completam: somos iguais); na geografia adequada (sou deste lugar e esse lugar com essa gente e seus costumes sou eu: um fragmento disto: eu sou esse lugar mesmo longe dali: o lugar é uma marca: sou ferrado pelo lugar: o nascimento é a razão); na raça esperada (esta cor sou eu, a história dessa cor sou eu, as relações dessa cor sou eu: fora desta cor sou um estranho, um outro: essa cor me determina porque ela é natural ou, pelo menos, assim deve ser ou parecer); no sexo visível (aquilo que visto, o tom da minha voz, para onde e para quem olho, quais histórias e piadas conto, como uso o gênero na linguagem, como exerço parte do meu desejo, com quem me relaciono é índice do meu sexo); na língua apropriada (a maneira como falo ou escrevo diz o meu lugar: me põe numa classe, num estamento, numa casta, numa região, numa família ou num favela, numa estribaria ou numa universidade, entre miseráveis ou entre ricos, entre sábios ou ignorantes, entre migrantes ou cidadãos, entre os que podem ou entre os que não podem): tudo isso e algumas coisas mais é o “é”.
respondido o “é”, podemos compreender plenamente esse sujeito, esse que se apresenta, isso que fala. esse “é” é uma pergunta divina: com ele o sujeito, ou a coisa, se torna transparente, dado, acabado: não deixa dúvida.
alberto lins caldas

FIM DE ANO - a babaquice, a ignorância, o entorpecimento adoram "fogos de artifício", babam de satisfação, gozam nas explosões, pulam feito sapos no inverno quando reconhecem formas fugazes naquilo ali em cima: qualquer forma os excita e alegra. nenhum deles nunca se conteve diante de uma festinha ruidosa, só pode conceber uma festa como algo ruidoso, onde não se consegue ouvir ninguém e todos gritam numa sanha de cios em fogo, em plena esperança de reprodução, no batuque ensandecido dos que não conseguem aplacar o comichão dos rituais esperados. e o fim de ano é a convergência dessas formigas insatisfeitas em imensos cardumes ruidosos como se orgias metafísicas explodissem em suas carnes moles. quanto mais toneladas de pólvora explodem mais as antas vibram, urram, latem e se espojam na lama insatisfeita e na esperança sempre regrada. e "rompem o anus" com todas as satisfações dos duplos sentidos jamais satisfeitos com plenitude.
alberto lins caldas

sábado, janeiro 01, 2005

TUDO DIZER
um e-mail me pergunta sobre a palavra parrhesia [pan= tudo/rima= dizer, o que é dito, o “tudo dizer”: “falar sem obstáculos”, fala franca, simples, direta, a “livre palavra”; liberdade e franqueza que transcendem as normas e leva a um “mais além” dialógico; o enfrentamento, “fala não farisáica”, “orgulho da língua livre”, a “fala sem amarras” dos “homens livres”; no catecismo católico quer dizer “simplicidade sem rodeios”, “confiança filial”, “jovial segurança”, “audácia humilde”, “certeza de ser amado”, coragem, confiança; faz parte das múltiplas manifestações da graça: relação com deus e com os homens, antecipação da salvação como alegria e humor, discernimento e coragem (a parrhesia propriamente), os dons do espírito santo; “liberdade de tomar a palavra” ou seja, na “assembléia do povo”, falar francamente] e parresiata (aquele que considero o legítimo filósofo), aquele que diz tudo, o que tem a coragem da verdade, usados no meu texto “liberdade de expressão”, e eu respondo: a parrhesia era dimensão da coragem, daqueles que, por não serem senhores, diziam a verdade, se davam ao direito de tudo dizerem até mesmo com sua vida, com o risco da vida, que era a garantia da verdade, que jorrava do seu exemplo, das suas escolhas vitais: dizer a verdade era conseqüência da vida em busca da verdade. a crença na verdade e a busca pela verdade era o mesmo que a verdade, a verdade como uma garantia vital, uma crença feita com a vida, como sócrates. ele dizia, através de platão (“a república”), que a “parrhesia é a causa de minha impopularidade”, e vivia e morreu em conformidade com a parrhesia tornando ela a própria filosofia não somente como um dizer sobre o ser mais um dizer que tem a coragem de dizer, de se dizer ao dizer o mundo e os outros.
na minha primeira juventude, quando comecei a ler filosofia em busca das minhas buscas, encontrei como todo leitor os livros de platão e seu personagem principal. com sua vida e morte o sentido das buscas se resumiram e se consolidaram numa só, que viria a chamar literatura em seu sentido estrito e afiado. sócrates vivia conforme, seu dizer e sua vida eram com aquela forma onde uma supõe a outra, sem as contradicções tradicionais. a verdade e a vida estavam na vida como exemplo integral. o seu “quem sou?”, “ao que me conformo?”, “que estou aceitando?”, “sou cúmplice do que?”, “como me libertar mais ainda?”, “sou condescendente?”, “que devo fazer nessa cidade e com os costumes dessa cidade”, “dizendo isso serei amado ou ser amado é sem importância diante da verdade?”, “como libertar o outro das suas ilusões?”: crítica e autocrítica juntos, escolhas fundamentais. a verdade e o dizer a sua verdade sobre a corrente, apesar da corrente, arriscando a vida, a paz, os amigos e amores, a segurança e o respeito: a parrhesia exige isso, o risco em fazer a verdade se identificar com o risco vital: o parresiata é um toureiro e sua arte exige o risco de vida para ser exercida: sem o touro a tauromaquia seria somente uma dança.
a parrhesia continua a ser fundamento para qualquer teoria, qualquer dis-curso que deseje dizer o mundo ao mesmo tempo que aquele que diz, aquele que assume o dizer. e dizer a verdade é também dizer o falador e dizer todos em torno desse dizer e desse falador. a liberdade de expressão se torna cada vez mais uma espécie de “ultimo bastião” da liberdade social na onipresença da mercadoria. num mundo tal devemos e temos a obrigação ética de “interpelar” tudo e a todos sem amarras, sem medo das conseqüências, sobre o que fazem governos e o que dizem, o que permitem e o que proíbem, o que cercam e o que abrem, sobre o sentido de cada crença e cada palavra e cada ameaça travestida de “bons costumes”, interpelar a lei e os “senhores da lei”, interpelar os crentes e suas crenças, os “inocentes” e os “culpados”, as economias e as políticas (inquirir táticas e estratégias), interpelar o corpo e suas técnicas, as mídias e suas loucuras servis, interpelar as ações e as inações, as decisões, interpelar os saberes, as imagens, as experiências, o senso comum e as filosofias, o desejo e o gozo: somente assim posso começar a ser um “cidadão”: sem essa interpelação furiosa a cidadania é somente um apêndice dos poderes e do poder, daquilo que é exatamente contra a existência do cidadão e de toda possibilidade real de democracia (sem a parrhesia a própria lei é um simulacro): a parrhesia é “perguntar sobre a verdade”, é clamar por ela quando se encontra tão travestida de realidade, de natureza, de crenças, de poderes e de saberes que ela mesma e todos nós já não nos sabemos senão o que o mundo do formigueiro deseja que percebamos: a parrhesia é quebrar esse espelho cruel.
sem a parrhesia a sociedade não conquista a cidadania e a universidade sua existência. só há cidadania se há parrhesia e sem ela a universidade é somente “instituição de ensino”, estribaria da reprodução dos saberes técnicos para servir aos mecanismos alienantes do trabalho: lugar de reciclagem, de lixo reutilizável. daí porque a parrhesia é atingida tanto na cidade quanto na universidade: sua inexistência, o vazio que deixa, o combate constante a sua prerrogativas diz muito tanto da cidade quanto da universidade (diz muito deste horror maligno chamado brasil).
só uma sociedade sorrateiramente autoritária, que confunde lei e ordem com democracia; onde a mercadoria é intocável em sua forma de existência, pode ser contra a “liberdade de expressão” (considerada aqui aquela que vai além da permissão, além da lei, além do respeito, além do poder, além do costume e da individualidade intocável como “sujeito de contrato”). dizer contra a ordem, contra a norma, contra a forma porque essas são “palavras de ordem” militar, não pleno exercício de democracia ou liberdade. a grande razão do filósofo não é dizer o ser, não é lutar pela verdade (que muda o tempo inteiro ao sabor de todas as ondas), mas pelo dizer a verdade com a coragem e o risco da vida, a coragem de lutar pela liberdade de dizer a verdade.
alberto lins caldas