segunda-feira, julho 24, 2017

o q é o brasil?


“Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.”
O Leopardo - Tomasi di Lampedusa


1. há um “recalcado” naquilo q gerou e gera mantendo o isso “brasil”. um vivido não enfrentado, um “antes” (ou um antes q se tornou pra-frente, além demais dos olhos, depois da curvatura, imerso num aqui essencial, múltiplo e contraditório, mas fantasmático), um escondido, um esquecido, um dito incompleto, um discurso imperfeito, uma multidão infinita de discursos, de campos de vivência, um imenso e monstruoso vazio, um esquecimento obsceno tanto do “mundo da escravidão” (seus planos, seus sonhos, suas propostas, suas ambições: “modo de produção escravista”) quanto do “mundo republicano” (com suas reproduções do mesmo e fortalecimento da louca obscenidade da escravidão, da “colônia” (todos as personas do capital): seus desejos travestidos de coisas novas), tanto do “povo brasileiro” quanto da “história do brasil”: esse vazio, esse eixo, eu chamo de martitica (oceano de merda: o q produz e mantém “brasil”, isso q todos vivem, acreditam e não conseguem dizer completamente ou até mesmo viver ou viver completamente: não conseguem desvendar seus “enigmas”, suas “verdades”, seus “sentidos”, sua “razão”, sua monstruosa passividade: a impotência, o porq da suprema “impotência brasil”: enquanto martitica existiu durante séculos, ativa, seu produto, seu chorume, “brasil”, existe a penas teatralmente), como se vivessem num país com uma história, num estado, numa sociedade, com uma “cultura e diversidade”, um povo, povos, raças, leis, geografia, língua). esse círculo, esse oco, esse vácuo, esse minúsculo e monstruoso esquecimento, esse reprimido por “todas as gentes”, isso q se esconde como um crime não sabido (sempre sabido demais), é o q pretendo tocar aqui com a ponta do dedo até o ombro e além.

2. não existe nem jamais existiu “brasil”, país, povo, leis, sociedade, história, cultura, civilização, isso “brasil”: essa generalidade, esse global, esse universo “brasil” (já inexistente por sua universalidade de existência querendo abarcar numa unidade e identidade as inumeráveis formas do mesmo: o cada-um fazendo o torno “brasil” girar e funcionar) sempre foi feito pela “servidão voluntária” do imenso cardume, lixeiro, chorume – agregados, funcionários, empregados, servos, trabalhadores – uma coisa média, uma alma pequena, uma coisa servil (“alma brasil”): “brasil” é a fantasmagoria pesadelo “inicial” do capital mercantil, não dum grupo, uma casta, uma rede financeira-industrial, dum povo: específica junção/articulação entre servidão-voluntária-classes-dominantes é apenas parte do visível, do permitido, do quase sabido: a coisa, o isso, é mais simples e por isso mesmo se escondeu normalmente, naturalmente, socialmente: só há servidão voluntária e seus fantasmas (sua rede de crenças, uma normose) se entendermos esse voluntário enquanto um não sabido involuntário, um consciente sabichão, agregado com subclasses mamando o produzido por essa servidão voluntária), “inconsciente”, um não dito porq não plenamente sabido, aproveitado, feito segundo a segundo em práticas, crenças, desejos, saberes, experiências e sonhos, mas não sabido – servido sabido aos “senhores”: o espectro projeto martitica (“brasil”), o quase reprimido porq não se viveu, é vivência construída dia a dia pela servidão voluntária: “brasil” é o aparecer crente, o construído, a visibilidade de martitica, a polpa q se apalpa sem ser e não se apalpa quase sendo, esse nada, o permitido, o aceito, a ponta, a pele do espectro mantido, reproduzido e guardado pela servidão voluntária como se fosse.

3. se há o “brasil” há o “povo brasileiro” – mas não há “povo” algum porq um “povo” se faz com uma ou várias revoluções onde uma massa, uma “plebe” indigesta e cordeira, “passa a se reconhecer e lutar em comum”: no “brasil” (matrix de martitica, fantasmagoria monstruosa, carnaval onde a “plebe” imita os senhores, os sonhos e desejos dos senhores) jamais houve revolução nem pode haver enquanto houver o “brasil” enquanto pele dobrada de martitica, a pele, a polpa do nada, o projeto dos senhores tornado quase realidade, quase vivido, quase gente, transe entre fantasmagoria e existência – uma forma de existência como a dos centauros, de gregor sansa ou k.): apenas depois de revoltas, resistências, revoluções uma massa bruta, cordeira, se torna “povo” e pode e tem o poder de fazer suas leis, ele mesmo, sua constituição, feita por ele, por sua coragem depois de muito sangue onde foi visto q “agora e daqui pra diante podemos”, logo, o “povo” se torna “cidadão”, nasce a coragem e a confiança em sua força e poder, q se tona ponto de partida dum “viver social”: no “brasil”, matrix de martitica, jamais houve um “cidadão”, jamais houve leis, jamais uma constituição, jamais um país, jamais liberdade alguma, sociedade, cultura: as identidades (“brasil”, brasileiro, território nacional, literatura, arte, costumes, branco, negro, macho, senhora, etc.) são apenas biombos construídos pelas servidões voluntárias (imitações das “metrópoles”) e seus instrumentos ou dispositivos como a educação, por exemplo (essa coisa sempre falsa, sempre farsa, sempre útil ao “projeto martitica”, sempre “cúmplice”), pelas mídias, pelas crenças, pelos discursos, pelas práticas mantenedoras, pela literatura (letra falsa, oligarquia das letras, realismo de botequim, crônicas, memorialismos, sociologismos: escritura falsa): “aceitamos e obedecemos”: “mantemos os sonhos dos senhores”: “agiremos como se fosse e terminará sendo”: “mentiremos tanto q se tornará verdade: brasil”: mas não se sabe disso: o “brasil” como cenário perverso, nazista, campo de extermínio, onde os “primeiros senhores” deixaram de atuar e entregaram a outros senhores e outros senhores e mesmos senhores uma matrix, um cenário, atores, palhaços, cretinos, trabalhadores e defensores dessa péssima opera bufa “brasil” q criou seus próprios senhores e cuidam deles com deleite cordeiro: esse cuidado dos cordeiros com seus lobos, q são cordeiros com postura de lobo, é uma das forças bufas da fantasmagoria “brasil”: parece política e não passa de teatro de quintal.

4. “brasileiro” é o trabalhador do pau brasil. “brasil” é uma produção colonial, um imaginário colonial, um lugar do capital latifundiário-industrial-financeiro (grande e imenso projeto monstruoso de exploração) onde é preciso, pelo menos o século xix e xx, uma massa indistinta delirando q é “povo”, q é “cidadão”, q tá num “país”, q tem “constituição”, etc., pra continuar a fazer se mover o “projeto brasil” e sua loucura nazista constitutiva (nazismo/fascismo não é só um "momento histórico", mas o eixo da máquina tribal ocidente: o nazismo 1933/1945 foi quando esse eixo se tornou absolutamente visível por um esgarçamento inesperado da tribo): isso é parte do espectro visível de martitica: todo saber sobre “brasil” é apenas parte desse espectro, o permitido do não permitido, o visto do não-visto, o resto e não a coisa, e a não-coisa, reforço, continuidade do mesmo.

5. não é q raptaram a “história” ou a “história do brasil”: a questão é q no lugar de martitica dizem “brasil”, em vez de saberem martitica, a “matriz”, so querem saber e só podem saber “brasil”, a matrix: e pra isso “toda a história” se curva, se dobra, se invagina, se limita e o “campo de saber da história” é destroçado em nome da “história”, aquela-q-aconteceu, aquela-q-se-tornou-acontecida, aquela-q-não-é-história porq já-aconteceu, é imóvel, é arquitetura pra esconder martitica (martitica é deixada lá, como uma “coisa passada”), sendo constantemente construída e reconstruída enquanto um esconder martitica e um reforçar “brasil” – martitica já está longe demais enquanto “brasil” ta perto demais: o q é dito é o possível de martitica, no passado, o “brasil”, no presente. esse é sabido, mas queremos o escondido q gera esse sabido, martitica. como dizer nesse dizer infinito e tão cheio de perspectivas e opiniões e pesquisas e ciências e etnologias, algaravias, esse tanto falar, esse ruído, essa balbúrdia, q ensurdecedoramente esconde martitica e não deixa de dizer o “brasil”: o “brasil” é esse ruído, esse ensurdecedor, esse carnaval de saberes e experiências voltados exclusivamente pra esconder martitica e buscar e construir e expor o “brasil”, q não passa de teatro da crueldade, fantasmagoria do horror q impossibilita “explicações racionais” porq não passa de uma construção fantasmática da servidão voluntária.

6. todo o “orgulho em ser brasileiro”, toda comemoração a pátria, todo “hino nacional” tocado e ouvido com respeito religioso, todas as subidas de bandeira e os gestos q exigem essa ereção mole, todos os feriados nacionais, todas as festas da “cultura popular brasileira” (papagaiadas das “vidas e culturas dos senhores”, pastiches), toda escrita sobre o “brasil”, toda a “literatura brasileira” (claro instrumento cúmplice da língua do senhor, do sonho, das perspectivas, dos planos do senhor: uma literatura brasileira é uma contradição patética e pateta), todo ensino e estudo sobre o “brasil” não fazem outra coisa q exercerem violenta e profundamente a busca pelo “reconhecimento do senhor”, dos desejos dos senhores – por isso trabalham, por isso se reproduzem, por isso morrem e matam: o “brasil” é uma reificação ridícula curvada diante de um senhor q não existe mais. o “brasil” é o traço reificado dessa curvatura, dessa servidão voluntária monstruosa, onde a normose é mais normal q a normalidade. uma servidão voluntária q não pode se reconhecer como produtora, protetora e reprodutora do seu produto – “brasil” (a não ser no “o brasil é feito por nós”), como se esse produto fosse feito num processo, numa historicidade, numa formação cultural q só faz criar palavras q encobrem esse horror; o “brasil” enquanto matrix da servidão voluntária é um clone imóvel, monstruosamente fincado na sua produção reprodução, no seu círculo vicioso q esgota qualquer criação real, qualquer explicação filosófico-científica (começam logo do “brasil” como algo já dado, uma existência, um processo, uma sociedade, uma história, uma cultura), qualquer revolução real, qualquer sequência de palavras q não tenha como missão esconder sua produção “brasil”, sem saber. por isso tudo q começa com “brasil” retorna, se curva, não cria, não explica, não sai, só encontra, só reproduz, só pode dizer – “brasil”.

7. o “brasileiro” não é “negro”, “branco”, “índio” ou qualquer outra “raça” porq, simplesmente, não existem raças: as “raças” são construções religiosas, sociais, econômicas, coloniais, imperialistas, eugenistas, nazistas, não alguma “realidade natural” (uma doença simbólica, sígnica, cínica, mortal, monstruosa), mas construção política, econômica, imaginária, dolorosa e perversa (no “brasil” toda “cultura racial” não passa de um duplo monstruoso do circulo de senhores criados pelos servos): maneiras de justificar, punir, fazer trabalhar, adoecer, morrer, ser morto, se reproduzir, jamais uma “identidade” (o horror reside precisamente na identidade, nos mesmos q se reproduzem, se replicam, se sustentam: os negros permanecem negros, as bichas permanecem bichas, os pobres permanecem pobres, os trabalhadores permanecem trabalhadores, as mulheres permanecem mulheres – todos apanhando, todos sendo torturados e mortos como gado, como nem o gado deveria morrer), jamais “povo brasileiro”, q é construção q faz parte do “campo de extermínio”, da “fábrica”, do “hospital”, dos “asilos de loucos, pobres e leprosos”, dos “campos de trabalho” q pensa estar e ser “brasil”, numa “normalidade” histórica, social, jurídica, estatal, cultural: uma réplica de outros lugares, uma colcha de retalhos, clone de clones, estranho frankenstein q fizeram ser, viver, numa dobra onde são o q fazem, mas não são o q fizeram nem são, mas assim mesmo são e persistem nesse não-ser q se mantém apenas escondendo sem saber uma vergonha inadmissível de servidão voluntária (o “brasil” de martitica).

8. jamais houve “golpe” algum, “ditadura” alguma, “império” algum, “colônia” alguma, “democracia” alguma: o q foi raptado foi precisamente “os passados” (destroçado qualquer “futuro”) e em seu lugar construído uma-história, q não é a do “vencedor” nem poderá ser substituída pela “história dos vencidos” (o nódulo fantasmático impossibilita estudar isso “brasil”): há sempre uma mesma massa cúmplice, na grande vertente, no grande vertedouro, no grande abatedouro, na grande maternidade, na grande obra infinita de produzir nada, apenas dor, cansaço, morte e mercadorias: esse resto perturba quem tenta pensar porq ele não se entrega, ou se entrega apenas com os materiais conhecidos, com os saberes sabidos: escapa aos olhos como se fosse os olhos q não podem se ver nem num espelho porq não se vê o “vendo”: a “história política do brasil” esconde precisamente q só há o “brasil”, variações fantasmáticas de ditaduras conforme as “necessidades dos mercados”: não há política porq não há povo, não cidadão, não há língua, não há corpo, não há constituição e leis, mas pastiches teatrais do q seria tudo isso.

9. nesse sentido martitica é e sempre foi uma “ditadura” até pros meganhas q dizem reger o campo de concentração: ou uma fantasmagoria nazista da servidão voluntária. martitica é imenso buraco no centro dum corpo morto, ou uma doença, um câncer, um tumor, uma lepra, uma ferida, um trauma, um espectro, um “afeto inconsciente” – gerando um zoológico, um matadouro, uma prisão, um asilo de covardes – “brasil” – nada mais, nada menos: o resto é conversa q se afasta disso e quer diferente, quer não ver os muros, os guardas, a ração, os toques de recolher, as palavras de ordem, a grande ilusão produzida pra escravos por servos em sua moenda sem fim – martitica – moinho em torno duma pedra q não se gasta nunca. apenas e nada mais q martitica: qualquer questão sobre "brasil" q não partir de martitica (o real, o grande outro, o concreto, o dia-a-dia, o zoo, o escondido, a servidão voluntária e seu “projeto inconsciente”, o nada q aparece como “brasil”) fica preso dentro do campo de força, de concentração de martitica e sua construção, manutenção e segurança: falar, pensar, ensinar “brasil” é fazer martitica, esse nada, esse circulo vago e entupido, esse escondido, esse buraquinho – gozar.

10. é preciso enfrentar martitica (esse passado escondido, esse não-vivido, esse não-passado q permanece enquanto “brasil”, cena teatral de campo de extermínio) afastando minuciosamente todo o aparato erudito, historiográfico, sociológico, antropológico (cultural, literário, linguístico, científico) q foi montado não apenas pra encobrir martitica, mas pra tornar real, normal “brasil”, cheio de deuses, santos, padres, sacerdotes, políticos, “língua portuguesa”, “portugal”, “europa/estados unidos”. sem enfrentar martitica não se poderá compreender e dissolver “brasil” (e, necessariamente não será pra chegar ao Brasil: se chegar ao Brasil há uma derrota desde o começo, um engano, a entrada num labirinto de martitica). se a meta é política, a ação, agora, é filosófica. não pode ser feita pela tríade historia/sociologia/antropologia por elas estarem envolvidas diretamente, com todo o coração, no ocultamento/criação/manutenção da monstruosa servidão voluntária na sua realização, proteção e reprodução do “sonho do senhor”, “brasil”. nem martitica nem “brasil” devem ser aceitos, compreendidos, explicados num sentido comum, mas deslocados, esfacelados, enfrentados como fatias do horror congeladas e em função. não é uma “aceitação do passado”, mas uma destruição desse nódulo imaginário q obriga ao funcionamento monstruoso de uma rede de trabalhos sem fim. se se compreenderá q martitica não está num “determinado ponto do passado”, mas sempre aqui, sempre agora, sempre se reproduzindo como um parasita descomunal e invisível: por isso a meta é política: é uma espécie de “enfrentamento do presente”, uma aceitação do campo de extermínio mas, antes de tudo o reconhecimento da servidão voluntária q a tudo isso criou, manteve e reproduz: se agora é questão filosófica pra compreender o nódulo monstruoso, se não passar pra uma fase política radical, jamais se poderá sair de martitica e do seu delírio de servos – “brasil”.

1 Comments:

At 5:30 AM, Blogger Leandro Souza said...

O Brasil não é mais uma civilização. É preciso aprender a esquecer o Brasil, deixar essa coisa morrer e começar uma nova Civilização.

 

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